CARMEN, ACERTOS E MAIS ACERTOS NO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

    

   Carmen de Bizet é sucesso há mais de 100 anos por diversos fatores. Usa tema exótico, a Espanha onde desfilam toureiros, contrabandistas, ciganas, mocinhas indefesas, bêbados e soldados. A música de Bizet é do início ao fim da ópera contagiante, uma miscelânea de temas que tem a cor espanhola como a Habanera, a Seguidilha, o Quinteto dos Contrabandistas e a música da Plaza dos Touros. Empolgante também é o lirismo dá ária de Micaëla e a força da Canção do Toreador. Avança no tempo ao mostrar uma mulher independente que segue seus princípios de liberdade, mais que volúvel Carmen é uma mulher que vive intensamente sempre buscando novas aventuras e amores.
   Opéra-comique é um gênero de ópera que mistura diálogos falados com recitativos cantados, cuidado leitor, nem toda Opéra-comique é engraçada ou cômica. Carmen de Bizet é uma Opéra-comique completamente trágica. Existe versão de Carmen, feita após a morte do compositor, somente com recitativos que exclui os diálogos, esta versão descaracteriza a ópera. Acertadamente o Theatro Municipal de São Paulo utiliza a versão original com os diálogos falados em francês e mantém quase toda a estrutura da ópera.
   Dito isso o que dizer da estreia da Carmen apresentada no Theatro Municipal de São Paulo. Uma sucessão de acertos e mais acertos. A começar pelo elenco, a escalada para dar vida a cigana que adora excitar a macharada foi Rinat Shaham. O mezzo-soprano mostrou excelentes dotes vocais: Voz quente, sensual com graves profundos e encorpados. Atuação que esbanja na sensualidade e deixa os homens de queixo caído, uma Carmen na medida com qualidade vocal do início ao fim da récita. Desempenho dramático espetacular que mostra todas as facetas da personagem.
                                                Cena Carmen , foto Internet
   
   Thiago Arancam mostrou o porquê de seu sucesso internacional. Tenor com técnica refinada de agudos com brilho e de extrema beleza em uma voz bem projetada e penetrante. Pode ter pecado no fraseado, mas nada que atrapalhasse em demasia. Exibição cênica que prima pela qualidade onde sua melhor participação se concentrou no terceiro e quarto ato. Na cena final colocou intensidade ao personagem mostrando um homem desesperado pela paixão arrebatadora da cigana. Grande Don José.
   O Escamillo de Rodrigo Esteves não mostrou graves a altura do personagem, na falta deles colocou bons médios e abusou dos agudos. Soltou um bom agudo no final da canção do Toreador inexistente na partitura que levanta o público. Atuação cênica correta que demonstra a valentia e o caráter conquistador do personagem.
                                                   Cena Carmen, foto Internet

   Quando se fala em Micäela se pensa em uma personagem doce e apaixonada e por isso os sopranos que a interpretam costumam ter voz lírica com pouco peso. Eu fazia parte desse grupo, agora vejo que Micäela é uma personagem forte que tem a coragem de enfrentar o perigo de se aventurar nas matas correndo o risco de ser trucidada por contrabandistas inescrupulosos, tudo isso atrás de Don José, para lhe dizer que sua mão está morrendo. Lana Kos faz uma Micäela forte vocal e cenicamente, seu dueto no primeiro ato e sua ária no terceiro são um primor de canto. Voz forte, encorpada e quente com um timbre que atinge vigor nas notas médias. Uma Micäela que não estamos acostumados a ver e que nos surpreende pelo talento vocal.
   Os personagens Frasquita, Mercedes, Dancaïre, Remendado, Zuniga e Morales mostraram boas vozes em suas pequenas intervenções, isso não justifica a vinda deles de diversos países do mundo. Cantores brasileiros fazem o que eles fizeram igual ou melhor, sou capaz de lembrar sem consulta uns 3 ótimos solistas para cada papel citado. Em uma rede social John Neschling faz uma crítica de sua própria montagem (até crítico ele virou agora, no que será que ele é formado ?) sobram palavras de elogios à todos: Excelência, qualidade superior, pronuncia impecável e fenomenal interpretação são termos que utiliza para elogiar a ópera que ele mesmo produziu. Diz que os comprimários de fora são importantíssimos para uma Carmen de qualidade, cita escritores e compositores (ele adora uma citação, se for em inglês melhor ainda). Tudo conversa para justificar o injustificável.
   A Orquestra Sinfônica Municipal dirigida por Ramón Tebar mostrou ótima sonoridade com tempos e sonoridade perfeitos. Toda a beleza melódica da partitura foi explorada em diversas cores e nuances. Tebar exibiu respeito aos cantores fazendo com que música e voz estivessem em harmonia. O Coro Lírico Municipal nas mãos de Bruno Greco Facio mostrou vozes afinadas e sincronizadas, destaque para a petizada do Coral da Gente, Silmara Drezza extraiu ótima afinação dos guris.
                                               Carmen, foto Internet
   
   A direção cênica de Filipo Tonon opta pelo tradicional, não inventa soluções mirabolantes e consegue dar dinâmica a ação. Sua Carmen explode em sensualidade e em paixões arrebatadoras, o diretor caracteriza os personagens conforme o libreto até nos pormenores. O cenário de Juan Guillermo Nova todo em madeira exibe grande beleza visual e se apresenta adequado a ideia da direção. Os figurinos confeccionados por Cristina Aceti elevam ainda mais o nível da produção com acertos. O único senão é a Carmen estar vestida igual a todas as moças do coro no primeiro ato. Pode-se dizer que ela é igual as outras, trabalhadora na fábrica de cigarros como elas e tem que estar com a mesma roupa. O problema é que no palco essa saída não funciona, devido ela estar igual as demais gera confusão no espectador, Carmen é protagonista e tem que se destacar na multidão.
   Bizet compôs uma abertura para a ópera que é conhecida do grande público e compôs uma pequena abertura para cada ato. Não entendi por que colocaram a cena do coro na abertura do quarto ato primeiro e depois a abertura original. O Balé da Cidade de São Paulo mostrou excelente coreografia com passos que mostram o calor da música espanhola.

Ali Hassan Ayache
 
 
  

Comentários

  1. olha Ali, nao sei qual recita vc foi. mas discordo, vi uma mezzo muda, um tenor sofrivel de voz pequena e problematica e um baritono de voz branca. no mais um belo espetaculo com destaque para as crianças, coro e maestro!

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  2. Caro Ali, fui à estreia no dia 29 de maio e realmente assisti a outra ópera. Um elenco que não agradou na quase totalidade. A começar por Morales interpretado pelo barítono Norbert Steidl, voz de pouco brilho principalmente nos registros mais graves e com uma interpretação bem fraca. A cena inicial foi salva pela excelente performance do Coro Lírico e pela atuação segura do soprano Lana Kos que interpretou uma excelente Micäela ao longo de toda a ópera e foi indiscutivelmente a melhor da noite. O mezzo-soprano Rinat Shanan não me convenceu como Carmen, apesar da boa voz e sensualidade, não empolgou pela sua fraca atuação cênica. Esbanjou beleza e sensualidade, mas faltou desenvoltura no palco e dramaticidade em momentos-chave. O tenor Thiago Arancam não me convenceu do seu sucesso internacional. Apesar da técnica refinada com belos e voz bem projetada, o seu timbre soou desagradável o tempo todo. Impressão compartilhada por outros espectadores com quem conversei ao final do Ato II e que desistiram de assistir ao restante da ópera. Apesar disso, ele tem uma boa atuação cênica. Melhor realmente na cena final. Mas é um Don José mediano. O Escamillo de Rodrigo Esteves Também não foi do melhores, além de não mostrar graves à altura do personagem e abusar dos agudos, realmente inventou um agudo inexistente no final da canção do Toreador e deveria ter sido vaiado por uma plateia mais atenta. Foi bem apenas na parte cênica. Os demais personagens Frasquita, Mercedes, Dancaïre, Remendado e Zuniga foram bem tanto na parte cênica quanto na vocal. A Orquestra Sinfônica Municipal esteve excelente com a direção impecável do maestro espanhol Ramón Tebar que controlou bem o volume da orquestra e não a deixou encobrir a voz dos cantores. O maestro Bruno Greco Facio mostrou muita competência mais uma vez na direção do Coro Lírico Municipal com vozes impecáveis. A grata surpresa da noite foi o Coral da Gente dirigido por Silmara Drezza. Fez um excelente trabalho com as crianças. Pecaram apenas na parte cênica, pois deveriam mimetizar a troca da guarda, o que não aconteceu. Mas isso não é culpa da maestra e sim do diretor cênico. O Balé da Cidade de São Paulo mostrou uma coreografia muito contida e morna, faltou vivacidade aos passos da calorosa da música espanhola. A direção cênica de Filippo Tonon tentou ser diferente deslocando a ação para a época de estreia da ópera. Cênico. Mas não apresentou nada de novo que justificasse esse deslocamento. No final das contas, uma encenação tradicional que confere dinamismo à ação e mais nada. Ressaltou apenas o caráter sensual de Carmen, faltou equilíbrio na parte dramática, para mostrar uma mulher forte e determinada a preservar a sua liberdade. Não soube explorar os personagens “conforme o libreto até nos pormenores”. A única parte interessante, mas não inovadora, foi a referência inicial ao conto de Prosper Merimée com a breve aparição de Don José durante a execução da abertura. O cenário de Juan Guillermo Nova, apesar da beleza visual, adequado no Ato I e aceitável no Ato II, foi de um equívoco retumbante a partir do Ato III e IV, apesar de estar de acordo com a direção cênica. Aos figurinos de Cristina Aceti faltaram vivacidade e equilíbrio cromático. Foi um exagero de tons beges, brancos e cinzas, numa Espanha calorosa e passional. Carmen vestida como as demais moças no Ato I não chega a ser um absurdo. Apesar de protagonista, ela ainda não é, nesse momento da ópera, diferente das outras moças, trabalha como elas na fábrica de cigarros. O seu protagonismo vai se construir ao longo do primeiro ato, culminado com a sua quase prisão. Enfim, uma apresentação decepcionante para uma “Carmen” que deveria voltar em grande estilo aos palcos paulistanos depois de uma ausência de 12 anos.

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  3. Ainda bem que vocês são os unicos que escrevem mal, porque os outros 99% do publico adorou. E é isso que vale numa democracia, inclusive musical.

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  4. Comentário de Fabiana Crepaldi no Facebook: Algumas vezes saio de uma ópera com uma sensação especial, um misto de euforia e emoção. Isso aconteceu na Aida do ano passado, recentemente na Sonnambula e no Werther do Met e ontem, 10 de junho, na Carmen. Por isso quero repartir com vocês as minhas impressões.

    Confesso que as outras récitas que havia visto, com o inexperiente Thiago Arancam, não me convenceram. Mas ontem, com Fernando Portari e Rinat Shaham na duplas de protagonistas, Lana Kos e Rodrigo Esteves engrossando o bom elenco, fiquei muito entusiasmada e saí querendo mais.
    Havia chegado até a questionar se tinha valido a pena o Municipal ter optado pela versão original, com os diálogos. O fraco desempenho do Thiago Arancam (isso sem contar o seu péssimo francês!) prejudicou bastante o desempenho. Elogiado por muitos pelo canto agressivo e com bons agudos, Arancam, além de não saber interpretar, não tem um canto sutil, não sabe fazer piano, parece estar o tempo com as pregas vocais extremamente tensionadas e não sabe interpretar. Ainda precisa estudar um bocado e escolher melhor os papéis.
    Ontem, Fernando Portari estava com algum problema na voz, um pouco rouco em alguns momentos. Porém, foi ótimo, conseguiu administrar a voz até o final (aliás, foi melhorando conforme se aquecia), fez muito bem os diálogos, de forma muito clara e com um francês muito bem pronunciado, inclusive diferenciando os erres do francês falado e do cantado (o que eu nem espero dos cantores, é mero detalhe positivo). Na ária da flor, finalmente, com ele, a paixão e os pianos apareceram!
    Contracenando com um cantor experiente e em sua última récita, Rinat Shaham se deu toda, foi ótima. Desde o primeiro dia não gostei da opção dela na forma de cantar a ária das cartas, extremamente lenta e com a orquestra ppppp. Ela tinha que ter uma voz enorme para isso dar certo. Fora isso, ela foi muito, muito bem, com ótima presença de palco e boa voz.
    A melhor de todas, Lana Kos, fez uma ótima Micaëla e criou grande expectativa em torno da Desdemona que fará no ano que vem!
    Rodrigo Esteves não é a melhor escolha para o papel de Escamillo, mas é ótimo cantor. Especialmente ontem ele conseguiu reunir os graves e o peso necessário para o papel, foi excelente! Já David Marcondes, que cantou no domingo, não sei como foi escalado, é um horror.
    Ontem, no primeiro ato, houve vários desencontros entre coro, cantores e orquestra. Porém, isso foi mero detalhe diante do espetáculo que se presenciou!

    Gostei muito da montagem, bonita e dinâmica, embora questione o último ato. A boa movimentação em palco mostra que houve direção cênica atuante. O coro das crianças estava uma graça.

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